quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Dores de um pastor (um)

Há tempos eu não ficava cara-a-cara com uma situação intensa e estonteantemente degradante. Houve um período em que eu assistia pessoas em tais condições, contudo as circunstâncias me conduziram as outras realidades que também possuem complexidades. Apesar de tudo, a vil miséria não muda e continua sendo um insulto aos Céus.

Ontem (10/02/2009) nós fomos visitar uma família, especialmente uma moça, e foi duro contemplar a miséria em suas mais variadas vertentes, isto é, pessoal, familiar, psíquica, espiritual, financeira, valorativa, estética... A moça se encontra num quadro de distúrbio mental após o nascimento de sua filha e quando se vive a depressão pós-parto é extremamente necessário intervenções psiquiátricas e psicológicas. Agora vocês imaginem um ambiente restrito habitado por muitas pessoas: de trabalhadores/as a ociosos/as, de saudáveis a viciados/as em drogas, de cristãos/ãs a macumbeiros/as, dentre outras coisas. Se em qualquer situação todos/as nós somos alvos e, na maioria das vezes, influenciados/as pelas atmosferas que nos rodeiam, procurem trazer esta constatação para o caso desta moça.

Além do fardo próprio de sua doença, sobre ela são lançadas cargas de degradação espiritual, familiar etc. Vale relembrar que nós somos um todo, não somos seres divisíveis. No caso observado, o ambiente repleto de misérias recai sobre os/as mais fragilizados/as com uma quantidade infinda de opressões. Isso me choca. Isso me emudece. Isso me agride. Isso me atordoa. Isso me faz rememorar que o Evangelho tem a doce tarefa de promover a dignidade integral das pessoas. Jesus Cristo, com sua vida, demonstrou que ele é capaz de gerar naqueles/as que Nele crêem a restauração do corpo, da mente e da alma. Talvez a vulnerabilidade dos/as mais enfraquecidos/as explique a predileção de Jesus por cuidar primeiramente daqueles/as que precisam de "médico". Por conseguinte, a família daquela moça, no mínimo, carece de nossas orações. Esta realidade me faz lembrar da letra da canção “Que estou fazendo?” de João Araújo e Décio Lauretti:

Que estou fazendo se sou Cristão? Se Cristo deu-me o Seu perdão? Há muitos pobres sem lar sem pão, há muitas vidas sem salvação. Meu Cristo veio pra nos remir, o homem todo sem dividir: não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar.

Há muita fome no país, há tanta gente que é infeliz. Há criancinhas que vão morrer, há tanto velhos a padecer. Milhões não sabem como escrever, milhões de olhos não sabem ler, vivendo em trevas sem perceber que são escravos de outro ser.

Aos poderosos eu vou pregar, aos homens ricos vou proclamar que a injustiça é contra Deus, e a vil miséria insulta os céus.

Se nós somos homens/mulheres discípulos/as de Cristo, avivados/as pelo Espírito Santo, agraciados/as com dons espirituais, temos que cantar e profetizar, orar e agir, denunciar e acolher, em suma, fazer aquilo que está ao nosso alcance. Certa feita Jesus declarou aos seus discípulos que eles, no poder do Espírito, fariam obras semelhantes e maiores do que a Dele. Estes primeiros missionários entenderam e viveram tal promessa. Hoje nós somos os/as atuais discípulos/as de Jesus Cristo... então, levaremos a sério a promessa? Aproveito o ensejo e junto a minha voz à do irmão Adhemar de Campos na letra da canção “O que fazer?”:

Há tanta gente sofrida querendo se encontrar
Gente tão ferida sem ninguém para ajudar
De quem será a culpa por tanta injustiça?
A pergunta fica no ar...

Eu sei o que fazer pra amenizar a dor
Do que não tem esperança e não conhece o amor
Vou dizer que há esperança e que existe o amor
Quando se tem uma pessoa e o seu nome é Jesus


Nós temos um privilégio, a saber, reconhecer que a degradação habita em nós de alguma forma. Por isso, temos condições de lutar, em nome de Jesus, para que ela não nos domine. Temos, também, capacidade de concluir que ela é terrível e pode muito bem piorar a vida daqueles/as que estão mais desprotegidos/as. Tanto eu quanto você recebemos o dom de socorrer vítimas da degradação proporcionada pelo mal que lança suas teias neste mundo e se apresenta de maneira “camaleônica”, violenta, rude, sofisticada, explícita, sutil, com finos panos, com sujos trapos... Tanto eu quanto você podemos, na unção do Espírito, realizar pequenas atitudes, conforme as nossas forças e os nossos limites, para ser o toque amoroso e milagroso de Deus nestes “mundos” tão carentes.

Desculpem-me pelo desabafo, mas existem coisas que só trazem alívio quando “enfiamos o dedo na garganta” e puxamos para fora o objeto do nosso incomodo. Há dores pastorais que são crônicas e agudas ao mesmo tempo. Há feridas pastorais que nunca parecem estancar. Aja coração. Aja estômago.

Em Cristo, Aquele que não se cansou de viver e ensinar o significado de andar com Deus.

Graça, paz e bem!