sábado, 14 de agosto de 2010

Os Novos Evangélicos de nossa Época?


Eu tenho que dar o braço a torcer... adquiri a revista Época que tem como artigo principal “Os novos evangélicos”. Este assunto me chamou atenção porque faz parte dos meus estudos sociológicos sobre os cristianismos protestantes brasileiros, também como me toca porque sou pastor de uma igreja protestante.

É preciso parabenizar o jornalista Ricardo Alexandre pelo esforço de elaborar o artigo supradito em nove páginas, com fotos bonitas, quadro sintético da história do cristianismo, uma tipologia para fins comparativos e citações de pareceres do fragmentado corpo pastoral protestante nacional. Entretanto, o artigo de modo geral não acrescenta quase nada, antes cria uma verdadeira confusão na mente de quem é curioso, iniciante ou iniciado no “mundo evangélico brasileiro”.

O título do artigo “Os novos evangélicos” e a frase da capa “um movimento de fiéis critica o consumismo, a corrupção e os dogmas das igrejas – e propõe uma nova reforma protestante” são imprecisos. Talvez tenha sido feito assim propositalmente, isto é, com o intuito de vender e esclarecer a questão no decorrer do texto. Pois bem, o tal esclarecimento foi apenas o meu anseio e não o de quem redigiu o texto (que dá a impressão de ter sido escrito em dois ou três dias sob pressão). Como diria a minha avó: “isso aí é um balaio de gato”.

No meio deste artigo confuso algumas questões ficam sem respostas: Será que os novos evangélicos são aqueles influenciados pela teologia da prosperidade e confissão positiva (Renascer, Universal, Internacional da Graça, Mundial)? Ou são os protestantes dissidentes de igrejas mais antigas (Luterana, Presbiteriana, Batista, Anglicana, Metodista)? Ou são protestantes pentecostais brasileiros (Assembléia de Deus, Congregação Cristã no Brasil, o Brasil para Cristo)? Ou são ex-protestantes de igrejas pentecostais? Ou são os protestantes emergentes (emergiram de onde? por quê? para quê?)? Ou são os protestantes de igrejas antigas indignados com a realidade eclesial e eclesiástica?

De um lado há menção a um dissidente cristão com vistas à simplicidade espiritual e que tem raízes em alguma igreja antiga. Lê-se também uma crítica às religiosidades protestantes institucionalizadas, aos protestantes de direita e esquerda (se alguém conseguir explicar o significado destas posturas políticas hoje merecerá um prêmio). Junto a isso se censura o comércio religioso, o culto à personalidade, o misticismo e a corrupção de certos protestantismos. E há espaço para criticar o apego aos formatos enrijecidos dos protestantismos antigos e o liberalismo teológico. Em suma, abriu-se a porteira e os rebanhos saíram às pressas e berrando.

O circo encheu-se de esplendor quando se resolveu juntar vários representantes dos protestantismos brasileiros e dar-lhes voz. Olha que reunião interessante é feita no artigo... os pastores Augustus Nicodemus Lopes, Caio Fabio, Carlos Bezerra Jr., Ed Rene Kivitz, Geraldo Tenuta, Irani Rosique, João Flavio Martinez, Miguel Uchôa, Moris Cerullo, Ricardo Agreste, Ricardo Gondim, Ricardo Quadros Gouvêa, Robinson Cavalcanti, Silas Malafaia, Valter Ravara e o ex-religioso (Testemunha de Jeová) e grande sociólogo de gabinete Ricardo Mariano. Sobra crítica para todo mundo e ninguém ao mesmo tempo.

Vamos supor que eu tenha nove páginas para escrever, 95% de uma capa de revista para dar o destaque ao meu artigo, um destaque no índice da revista e a possibilidade de dizer algo interessante para uma população não-especializada em protestantismos. Uma sugestão para organizar as idéias é a seguinte:

1. Faça um breve histórico sobre o cristianismo inicial, o catolicismo, a reforma protestante (gaste umas linhas a mais sobre isso porque o seu foco é discorrer sobre os protestantismos contemporâneos), as principais igrejas formadas no período pós-reforma, a chegada dos protestantismos no Brasil, as igrejas protestantes brasileiras e suas divisões (suas ênfases teológicas e práticas), as transformações religiosas ocorridas no século XX, o aumento do número de fiéis protestantes segundo o senso de 2000, e o protestantismo contemporâneo.

2. Discorra a respeito das linhas teológicas protestantes ortodoxa, neortodoxa, liberal, neoliberal e alguma outra que tenha sido inventada. Procure pontuar quais destas prevalecem no Brasil.

3. Explane sobre o que se entende sobre formalismo, estrutura hierárquica rígida, dogmatismo, dentre outros aspectos citados no texto.

4. Explique as razões pelas quais alguns protestantes não aceitam que certos grupos se auto-intitulem evangélicos e façam uso do comércio religioso, do misticismo e da corrupção.

Estas propostas indicam que versar sobre “protestantismos” ou “evangélicos” é algo muito complexo e requer cuidados por parte daquele/a que se propõe a esta tarefa. Se o jornalista Alexandre tivesse este propósito, certamente o artigo seria esclarecedor aos/às leitores/as. Partir do pressuposto que as pessoas leitoras da revista já entendem o suficiente dos protestantismos brasileiros para compreenderem o artigo em questão é falso.

Por isso é importante ressaltar que a maneira com a qual se expôs a matéria no texto não contribui para o entendimento deste plural e multifacetado “grupo” religioso, apenas serve para validar interesses ideológicos e políticos que dão suporte para a construção do texto como fora feito. O mesmo poderia ser aplicado a algum artigo que destacasse a uniformidade do catolicismo se comparado aos protestantismos. Diversos pesquisadores das Ciências Sociais demonstram com seus trabalhos de campo e pesquisas que não há como pensar em catolicismo, mas catolicismos. É aparente a uniformidade católica. E como se descobre isso? Com pesquisa profunda.

Enfim, mais seriedade e sensibilidade são imprescindíveis para um trabalho digno de nota.

Graça, paz e bem!

Veja artigo da Revista Época na íntegra no blog  "Sobre fé e + um pouco" (http://sobrefeemaisumpouco.blogspot.com/2010/08/nova-reforma-protestante.html)