quinta-feira, 26 de julho de 2007

Entre a competência e a desinteligência

Introdução
Na maioria das empresas, escolas e instituições de modo geral, uma das exigências perpetradas aos/às trabalhadores/as é que os/as mesmos/as sejam profissionais, por conseguinte tenham a devida capacitação para realizarem as atividades a serem desempenhadas e busquem um constante aprimoramento. Esta constatação é um reflexo da sociedade contemporânea, ou seja, ela está mais competitiva e extremamente especializada. Tal postura se dá em decorrência da busca por alcançar novos mercados e, principalmente, adquirir capital. Em outros termos, nesta lógica, quanto maior a habilitação e eficácia na prestação de serviços, melhores serão os resultados e os lucros.

Na recente configuração social não há espaço para quem não se adapta, tampouco se qualifica. O discurso da competência vigora até mesmo em certos setores mais paternalistas da sociedade, como exemplo, algumas instituições empresariais, religiosas e acadêmicas. Deste modo, especializar-se, além de ser uma exigência dos/as investidores/as das mais diversas áreas, é uma questão de sobrevivência para os/as homens/mulheres inseridos/as nesta realidade.
Ao discorrer sobre competência tem-se em vista um labor bem feito e que seja um diferencial em meio ao excesso de serviços e ofertas existentes. Assim, tal empreendimento obtém o êxito almejado, pois vem acompanhado de ações precisas que culminam em custos menores, resultados maiores, problemas bem resolvidos e oportunidades aproveitadas.

Um legado paulino
Algumas semelhanças com este contexto hodierno podem ser observadas na concepção paulina de igreja. Sua proposta é de um modo de ser e agir como um organismo vivo, a saber, cada membro realizando uma função específica. E o objetivo final não se trata de aumento das riquezas, mas sim compartilhar o Reino de Deus e seus valores com a humanidade.

Outro dado interessante desta concepção eclesial se refere à maneira como se dá a divisão do trabalho nesta confraria. Cada pessoa recebe de Deus pelo menos um dom para poder servir de maneira clara à Cristo, à Igreja e aos seres humanos. Portanto, cabe ao grupo de fiéis direcionar cada um dos membros para o exercício específico das atividades, segundo o carisma dado.

Na perspectiva de Paulo, as atividades realizadas pela Igreja se concretizam porque está presente o amor interpessoal como fruto da atuação do Senhor na comunidade. Por tudo isto, a unidade e o companheirismo são buscados com veemência no intento de que exista um ambiente interno propício e saudável para as conseqüentes ações missionárias.

Segundo o apóstolo, neste grupo cristão evita-se os conformismos porque o objetivo maior deve ser alcançado na perspectiva dinâmica do Espírito Santo. Trata-se, conseqüentemente, de uma coligação proativa e decidida a cooperar com a Missão de Deus. Ela se auto-avalia constantemente a fim de eliminar os atos inadequados e buscar criativamente novos caminhos.

Esta igreja reconhece o anúncio de Jesus Cristo, por isso serve a todos/as com seus dons e talentos de maneira dedicada e competente. Sendo assim, suas atividades não se processam de maneira cristalizada, egoísta, arrogante e prepotente. Em outros termos, o seu proceder é provisório, flexível e aberto em prol da comunidade de fé e de toda a criação.

Uma realidade interna
Não obstante às dificuldades concernentes ao ambiente fora da igreja, muitos obstáculos internos, para uma práxis eclesiológica saudável, podem ser apontados, dentre os quais destacam-se o despotismo, o nepotismo, o fanatismo e o egoísmo.

O despotismo muitas vezes é aplicado no interior das igrejas desrespeitando, segundo Paulo, o dom concedido por Deus à determinadas pessoas, bem como recusando os talentos individuais. Mas, nesta abordagem eclesiológica paulina, os serviços devem ser exercidos sem interesses particulares. Em suma, não há espaço para as ações autoritárias.

Outro agravante se dá com o nepotismo, isto é, privilegiam-se parentes e amigos/as despreparados/as ao distribuir as funções em detrimento daqueles/as que são realmente capacitados/as para o exercício das ações eclesiais. Conforme o legado bíblico em referência, este feito prejudica toda a confraria e, conseqüentemente, insulta Àquele que concedeu os carismas.

Por outro lado, há que se destacar o fanatismo. Este pode ser observado nas coligações das mais diversas linhas teológicas. Em nome de uma verdade um grupo exclui, difama e persegue outros. Nega-se portanto o princípio paulino de diversidade. Logo, Cristo não consegue mobilizar tão eficazmente certas pessoas para irmanarem-se, pois a intransigência ofusca a sapiência.

À semelhança dos empecilhos supraditos, o egoísmo também é diametralmente oposto ao modo de ser da igreja, porque se prioriza o “eu” colocando em risco toda a missão. Exempli gratia, esta atitude pode ser observada no exercício do poder político-eclesiástico, na gestão dos bens e dinheiro dos grupamentos cristãos etc.

Motivações para a desinteligência
O modo como Paulo concebe a igreja traz importantes contribuições para as comunidades cristãs atuais. De igual modo, a breve análise concernente à configuração social apresenta muitos desafios para as confrarias modernas que aceitaram o discipulado proposto por Jesus Cristo e que por este procuram viver.

Antes de prosseguir cabe fazer uma explanação conceitual oportuna, pois a idéia que muitos/as têm do termo desinteligência é que este se refere à ausência de inteligência ou à estupidez. Todavia, o sentido que se emprega aqui é o de desarmonia e desacordo. Feitas estas considerações cabe entender como esta palavra se averigua na práxis cotidiana das igrejas.

Acima foi mencionado que o discurso da competência vigora na sociedade. Destacou-se também que há um modelo bíblico para as congregações se organizarem, a saber, como um corpo vivo. É, portanto, sobre estas comprovações que se nota o desacordo, porquanto muitas coligações cristãs “negam” que o mundo mudou e que a eclesiologia paulina seja válida.

Esta discordância raramente se percebe nos discursos orais, pois nestas verbalizações “oficiais” evita-se ao máximo transparecer o que ocorre cotidianamente. Os discursos não-verbais, via de regra, são mais eloqüentes e ricos de significado se comparados aos primeiros. Vale ressaltar que ainda existem os discursos em “off” que contribuem com a desinteligência supradita.

Um exemplo oportuno que clarifica estas últimas considerações pode ser notada na divisão do trabalho eclesiástico, no qual se incluem membros clérigos e leigos. Do ponto de vista paulino as atividades devem ser realizadas na igreja em total acordo com o dom concedido pelo Espírito, mas o que ocorre às vezes é o descaso com isto por não ser individualmente vantajoso.

Conclusão
Muito mais do que uma adequação à lógica neoliberal capitalista, discorrer sobre a competência na vida eclesial é uma necessidade urgente, pois, numa linguagem religiosa, os dons e os talentos pessoais e coletivos devem prevalecer na igreja e ser aprimorados cotidianamente para que se possa servir toda a criação da maneira mais adequada possível.

A igreja costuma declarar que é o Espírito quem distribui os carismas e fomenta o povo a agir em prol dos/as semelhantes. Se isso ainda é válido, resta perguntar: Por que vigoram em diversas comunidades cristãs o despotismo, o nepotismo, o fanatismo e o egoísmo? Será que essas não são algumas das razões que impedem o crescimento integral da igreja?

Talvez uma volta àquilo que se configura biblicamente como Evangelho (Boa-nova) ajude na transformação deste contexto eclesial tão complexo. No Antigo e Novo Testamentos são encontradas boas e péssimas notícias, cabe, portanto, reter aquilo que é bom e, se possível, escolhê-lo como fundamentação de toda a práxis.

Se houver uma reflexão séria a cerca das ações e reflexões de Jesus Cristo na realidade em que ele se insere provavelmente encontrar-se-á algumas pistas para o viver eclesial. Entretanto, não há como descartar que é imprescindível somar à reflexão a experiência deste Cristo a fim de que as práticas sejam o mais coerente e consistente possível por parte dos/as atuais discípulos/as de Jesus.

Não se pretende aqui apresentar nenhuma lista formatada de ações. Como sugestão, os/as homens/mulheres comprometidos/as com o Reino de Deus poderiam orar, pensar profundamente sobre carreira eclesiástica, reflexão bíblico-teológica-pastoral, atos litúrgicos e cotidianos, e, muito mais do que desejar mudanças, escolher mudar e agir.

Inquisidores/as “pós-modernos/as”, mal intencionados/as e descomprometidos/as à parte... quiçá seja este o momento propício para observar o que está acontecendo, avaliar o que há de positivo e negativo nesta realidade, e atuar com o firme intento de reformar, ou mesmo, reinventar a igreja.

“Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada”. [Cecília Meireles]

Graça, paz e bem!

[Obs.: A reflexão acima é a síntese de um artigo que eu escrevi há um tempo. Eu espero que esta leitura tenha lhe causado algum incômodo.]

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