quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Profetismo: compromisso, fidelidade e consagração

Constatações

Infelizmente a realidade de um grande número de igrejas cristãs no Brasil não se traduz numa relação com Deus, mas sim, com o Mercado. Outra face vista nesta realidade eclesial é a alienação de homens/mulheres das Comunidades de Fé, feita por algumas pessoas da classe eclesiástica que atuam apenas como repetidoras do paradigma mercadológico contemporâneo, isto é, satisfazer os desejos do/da cliente. Se de um lado nota-se a ausência de entendimento profético por parte de determinados/as líderes, do outro há aqueles/as que fazem “vistas grossas” à atuação dos profetas do Antigo Testamento e do próprio Jesus Cristo na sociedade do seu tempo.

Destarte, muitos/as fiéis acabam ficando à mercê de uma teologia opressora, pregada em muitos púlpitos, centralizada no “quem paga, manda”. Há, portanto, carência do ensino que tornaria a fé em algo mais concorde com os preceitos bíblicos e que promoveria uma ação profética mais coerente com a Palavra de Deus.

Uma porção da Bíblia

As constatações acima podem ser confrontadas com o texto de Miquéias 3,5-8:

5 Assim diz o Senhor contra os profetas que fazem errar o meu povo, que clamam: Paz! quando têm o que mastigar, mas contra aquele que nada lhes mete na boca, preparam guerra. 6 Portanto, se vos fará noite, sem profecias, e haverá trevas, sem adivinhações. Por-se-á o sol sobre estes profetas, e o dia sobre eles se escurecerá. 7 Os videntes se envergonharão, e os adivinhos se confundirão. Todos eles cobrirão os seus lábios, porque não haverá resposta de Deus. 8 Mas quanto a mim, eu estou cheio de poder, do Espírito do Senhor, e cheio de justiça e de força, para anunciar a Jacó a sua transgressão, e a Israel o seu pecado.

O profeta Miquéias, ao contrário de alguns falsos profetas de hoje, compreendeu muito bem o que é ser profeta. O livro de Miquéias revela que o profeta nasceu em Morasti, uma aldeia próxima a Jerusalém e atuou no dias de Joatão, de Acaz e de Ezequias. No ano de 722 a.C., a Assíria, sob o reinado de Teglat-Falasar III, subjuga os países da região da Palestina. Sendo assim, o reino de Judá se rende ao jugo imposto pela Assíria e para não ser destruída submete-se a pagar um alto tributo. Uma vez que Jerusalém era obrigada a pagar esta taxa, as explorações e manipulações para que os poderosos jerusolimitanos (rei, chefes, latifundiários, juizes, sacerdotes, profetas) mantivessem seu status quo ocorria em grande escala e a maior prejudicada era a população. É, portanto, neste período que surge o profeta Miquéias como porta-voz de Deus para desmascarar os falsos profetas e toda a maldade cometida contra o povo da terra apontando para algumas características proféticas aprovadas pelo Senhor.

Compromisso – Mq 3,5

A denúncia feita por Miquéias, no verso 5, se refere a certos profetas que estavam aproveitando da autoridade obtida para seduzir com o intento de enganar o povo. Os denunciados, ao invés de serem bons condutores de todo um grupo, procurando dar condições para que homens e mulheres caminhassem bem segundo o anelo de Deus, agiam descompromissadamente. O resultado é que muitas pessoas estavam totalmente perdidas e acreditando que todo o mal vivenciado tinha o apoio de Deus. Para contentamento de alguns mercenários, grande parte da população nem ousava se levantar contra os “servos do Senhor”.

Os profetas que não tinham compromisso eram daquele tipo que fazia profecias mediante pagamento, sendo essas sempre favoráveis àqueles/as que lhes pagavam. De tal forma, o povo pobre, por necessitar subsistir, não iria gastar “dinheiro” com esses profetas. Logo, aqueles que detinham o poder aproveitavam para cometer as maiores maldades contra os camponeses.

Desta forma, no parecer de Miquéias, a atitude profética verdadeira é agir com compromisso. Isso significa entender que a vocação dada por Deus, para atuação no meio do povo, deve ser levada com seriedade de modo que o profeta procure sempre conduzir e observar se a população está sendo bem orientada. Por conseguinte, está descartada a prática da sedução para enganar, espoliar e lucrar com a fé das pessoas.

Fidelidade: Mq 3,6-7

Na leitura dos versos 6 e 7, Miquéias mostra quais serão os resultados de tanta injustiça cometida contra o povo carente de direção na vida. Entende-se essas palavras como um desqualificativo moral e religioso e, por conseguinte, não se trata de uma verdadeira previsão punitiva. De vez que os profetas eram infiéis e falsos, Deus não os guiava e dessa forma não faria diferença se o Senhor se ausentasse desses profetas. Faria diferença sim, se todo o seu projeto de opressão fosse desmascarado. Com certeza a vergonha cairia sobre os profetas e os poderosos, pois não teriam mais como acobertar a injustiça. Conseqüentemente, quando se lê que os profetas infiéis não conseguirão profetizar e cobrirão os lábios, ou a barba, significa que eles perderão a sua dignidade e respeito, pois Deus, através do profeta, desmascarará toda a mentira e eles cairão em descrédito.

Ao contrário dos profetas que são fiéis a si mesmos, fica claro no proceder de Miquéias que o profeta de Deus sempre procura ser fiel. Ser fiel é ser alguém constante, firme e leal a Javé e ao povo, bem como a função a que foi incumbido de realizar. Ser fiel é proferir a vontade de Deus a todas as pessoas tal como ela é, ao invés de beneficiar àqueles/as que pagam bem. Sendo assim, a fidelidade é existente quando a pessoa não se prostra à corrupção e nem a injustiça – coisas próprias de quem não tem Deus como único Senhor, mas idolatram o poder, a riqueza e a ganância. Cabe lembrar que a verdadeira profecia sempre aponta para a justiça, conversão, misericórdia, perdão, liberdade e paz.

Consagração: Mq 3,8

No versículo 8, Miquéias faz a seguinte afirmação a respeito de si mesmo: “Eu, contudo, estou cheio da força, (do Espírito de Deus) de direito e de coragem, para anunciar a Jacó o seu crime e a Israel o seu pecado”. Conforme vemos neste versículo, ter o Espírito de Deus é estar cheio da sua força, direito e coragem para anunciar a Jacó o seu crime e a Israel o seu pecado.

Força e coragem são termos que se completam e tornam explícita a capacitação que é necessária para enfrentar todos os tipos de hostilidade que possivelmente Miquéias receberia por trazer a verdade à tona. E de direito, que soa como aquele que procura ser dirigido pela justiça... justiça essa ausente nos magistrados e “profetas sedutores”, ambos “amantes” do crime e do pecado.

Portanto, a consagração é a dedicação ou o oferecimento da vida a Deus, como reconhecimento de que é o único Senhor, como também, uma confirmação de que fazer a vontade divina é o que importa... independente das conseqüências. Por conseguinte, a consagração é uma terceira característica importante, que leva o profeta Miquéias, cheio do Espírito de Javé, anunciar a Jacó o seu crime e a Israel o seu pecado. Como resultado da consagração a Deus, Miquéias foi fortalecido, encheu-se de coragem e de direito para desmascarar uma teologia maligna que injustiçava o povo ingenuo e crédulo.

Desafios

O chamado que Deus nos apresenta, como pessoas que atuam e/ou atuarão no meio do povo cristão, e especificamente no Brasil, é a que sejamos verdadeiros/as profetas e profetizas do Senhor. É neste texto de Miquéias que encontramos características que podemos buscar.

Se nós temos visto muita gente falando falsamente em nome de Javé, devemos fazer o contrário, pois somos homens/mulheres comprometidos/as com Deus. Se nós cremos que vale a pena servir ao Senhor e ao/à próximo/a precisamos conduzir bem os grupos cristãos com os quais trabalhamos ao invés de seduzi-los objetivando enganá-los. Deus nos encoraja a darmos condições para que homens e mulheres caminhem por sendas suaves, também como superem as dificuldades diárias com consciência e sabedoria.

Uma vez que temos comunhão com o Senhor precisamos permitir com que as pessoas procurem saber qual a boa, perfeita e agradável vontade de Deus. Se nós fazemos parte do corpo de Cristo, e sabemos o que isso significa, precisamos mais e mais agir com seriedade.

A partir do momento que nos tornamos discípulos/as de Jesus Cristo, fomos capacitados/as para profetizar. Isso significa ser constante, firme e leal a Deus, bem como à função a que fomos incumbidos/as de realizar. Outro aspecto importantíssimo é esforçar-se por proferir a vontade do Senhor a todas as pessoas tal como ela é, ao invés de beneficiar àqueles/as que pagam bem. Agindo assim, não cederemos à corrupção e nem a injustiça, pois estas são coisas próprias de quem não ama a Deus.

Completando, nós como profetas e profetizas do Senhor não podemos deixar de nos consagrar dia após dia, dedicando a vida a Deus, como reconhecimento de que Ele é o único Senhor. Aquele/a que é consagrado/a se esforça para fazer a vontade divina independente dos resultados e, conseqüentemente, será orientado/a a anunciar à Igreja e demais setores sociais o seu crime e pecado. Além disso, terá força, coragem e direito para desmascarar toda teologia falsa-perversa-maligna que favorece a injustiça.

Como profetas e profetizas de Deus no século XXI d.C, nós também podemos cultivar as características identificadas no profeta Miquéias (século VIII a.C.), a saber, Compromisso, Fidelidade e Consagração.

Graça, paz e bem!



[Texto fundamentado no seguinte artigo: ANTUNES FILHO, Edemir. Chorar e lamentar... porque a nossa omissão profética denota a nossa aquiescência no processo de exclusão: Miquéias 3,5-8. In: Mosaico Apoio Pastoral, nº 17. SBC: Editeo, abril-maio, 2000. p. 8-9.]

4 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Caro Edemir,
Vim agradecer por sua visita ao meu blog. Acho que somos companheiros de universidade. Faço mestrado em Ciências da Religião na Umesp, na área de Teologia e História.

Li seu texto. Senti, como não poderia deixar de sentir, através do critério exegético bem como da boa redação, um tom acadêmico de artigo publicado.

No entanto, a estrutura — caracterizada por introdução, três pontos e conclusão — revela seu lado pastoral, assim como sua preocupação profética de falar sobre um texto bíblico, aplicando-o à realidade de hoje. Desnecessário dizer que senti, também, um tom espiritual nesta postagem.

Termino esta modesta apreciação — repleta de impressões — comungando do seu desejo de que esse espírito profético de compromisso, fidelidade e consagração permaneça como uma chama viva em nossas vidas.

Um forte abraço.

Felipe Fanuel disse...

Constrangimento? Imagina. Sinto-me honrado em ter um link aqui!

Obrigado pela generosidade.

Cleinton disse...

obrigado por visitar meu blog, edemir...sim, tenho tentado articular minhas formações para melhor pensar esse nosso tempo...
que Deus o abençoe...
liberdade, beleza e Graça...
cleinton

Wander Morínigo Teixeira disse...

Com certeza minhas palavras não são tão profundas como as tuas..
Mas minha intenção no blog é rabiscar, somente...
Deus seja contigo...
Estarei por aqui sempre, haja vista conhecer o caminho..